mancheia

"Livros, discos, vídeos à mancheia! E deixe que digam, que pensem, que falem..."

sexta-feira, março 31, 2006

Eu Era Um Lobisomem Juvenil

Ouvi dizer que Renato Russo, se estivesse vivo, faria 46 anos nessa semana. Não sei que dia; nem sei se é verdade; não importa. Resolvi falar desse já tão falado poeta do rock brasileiro.

Sei que muitos se chatearam/chateiam com a décima quinta gravação de "Que País é Esse" e com tudo que já foi dito e tocado e lançado depois que os vermes se deliciaram com o corpo do bardo da Legião Urbana. Eu inclusive, pois sou um severo crítico da necrofilia da arte.

Por isso, resolvi não ser tão reverente aqui. Você, querido leitor que esperava loas e mais loas ao "Junior" (como era chamado pela família), pode não se alegrar tanto. É que sempre achei que o pior de um ídolo é a cegueira de seus fãs-seguidores. Vemos isso com os fãs de Raul Seixas, muitos insuportáveis, que insistem em citar tudo-tudo-tudo do Maluco Beleza.

Bom, voltando à vaca louca, Renato se destacou de seus contemporâneos por causa da informação que guardava consigo e pela inovação poética que ajudou a construir no então emergente Rock Brasil Anos 80. Ele, como bom falador de inglês que era (chegou a ser professor), entendia muito bem o que certos compositores americanos e britânicos queriam dizer. Por isso, queridos fãs, não pensem que as historinhas criadas em canções por Russo sejam coisas novas no rock. Bob Dylan já fazia isso aos borbotões. Não pense também, caro fã da Legião, que as referências poéticas sejam coisa nova, que Renato criou só pra vocês. Morrissey, vocalista da ótima banda oitentista The Smiths, já inventava suas poesias ao som do bom rock britânico. E até a dança epiléptica Renato pegou um pouquinho dele e do vocalista do Joy Division.

O que Renato soube brilhantemente fazer foi escrever belas, belíssimas letras que diziam muito, pluralmente sobre o nosso país, imageticamente sobre o amor e questões existenciais que partiam do individual para o coletivo.

É inegável a beleza de um disco como o "Dois", com suas letras intimistas e poéticas. Para quem não sabe, inicialmente o disco seria duplo e se chamaria "Mitologia e Intuição", ou algo do tipo (socorram-me se o título estiver errado!). Mas acharam por bem lançá-lo como um disco simples. Comprei-o na finada Mesbla, na esteira do sucesso Eduardo e Mônica e me apaixonei por todo o álbum. Desd'aquele dia, aquela banda passou a ser minha Religião Urbana.

Mas, depois de muito penar e filosofar e cair e levantar, me curei e não tenho mais meus ídolos intocáveis. Esse texto é prova disso. Gosto de várias coisas ao mesmo tempo mas ainda mantenho minha admiração pela poesia de Renato e pela música de sua Legião Urbana.

Pra não me estender demais, aqui vai uma dica: ouçam o disco gravado por Renato em inglês, "The Stonewall Celebration Concert" e depois me contem. Aquilo ali merece no mínimo respeito.

CD Dois no submarino.com.br: R$20,90 (sem frete)
Camiseta Legião Urbana na Galeria Praça Sete: R$20,00 (em média)
Ver a cara de meus alunos de 18 anos fãs da Legião quando eu digo que fui a 3 shows da banda: NÃO TEM PREÇO.

Ósculos e amplexos para quem for de.

Alex Manzi.

quinta-feira, março 23, 2006

Gabriel e a filha de Janaína

Conta-se, como nos bons livros antigos, que Gabriel encantou-se com a filha de Janaína e por ela fez mundos, fez fundos. Portas e janelas brilharam ante a aparição da menina bonita. Gabriel passava com sua bicicleta de asas pela janela da menina e a ela devotava seus beijos de pensamento.

Era com brilho bruto que a menina devolvia o olhar. De tanto sonhar ele virara anjo, solto, com asas nos dedos dos pés e vento atrás das orelhas. Sentia-se encachoeirado e não arredava de perto da mordida macia do amor.

Gabriel, esse menino, sentia o que era amar a filha de Janaína nas mais intensas. Virava seu estômago perceber que o céu mudava de cor e prenunciava algo novo. Céu bom, céu azul, céu de lodo.

Encontrava-se com ela às escondidas. Nem mesmo eles sabiam que se encontravam em praças públicas, como quem vive de segredos, como quem devora segredos, os come com volúpia. Sem saber dos beijos, subia árvores e quebrava tesouras; saboreava cada lufada de brisa. A menina, filha de Janaína que era, guardava nuvens e encomendava a chuva do verão passado. Gostava porque gostava de sair à rua, catando sementes e borboletas; plantava borboletas displicentemente e devolvia as sementes ao ar.

Ainda que o mar e as florestas secassem, ainda que a juventude não trouxesse mais nada, o fraterno olhar de Gabriel via com volúpia a morena menina. Continuava o segredo que envolvia os olhares, as trevas claras; mesmo quando o dia insistia em passar no vazio, ainda estava lá o que fascinava.

Se o tempo que passou não mexeu em nada, a culpa foi tão e só deles. Se as juntas, fábricas de dores, e os membros não ouvem mais, a culpa é do tempo. Foi quando isso, e só quando isso, que Gabriel estendeu seu braço e a menina aceitou. Já se via a não-eternidade de outros amores.
A filha de Janaína passeia com o velho anjo. E o velho anjo diz:

- Venha pra perto. Quero te mostrar coisas...

sexta-feira, março 17, 2006

Encaminhando e Desencantando

Caiu-me nos olhos o lançamento de um livro que há muito esperava, mesmo não tendo a mínima idéia de que ele seria lançado.

Explico.

Bão, há muito eu desconfiava de milhares e vários e inúmeros textos que recebia encaminhados pela internet. Autores consagrados como Drummond, Millôr, Jabor e - o campeão de todos - Luis Fernando Veríssimo tinham imputados em suas reputações textos que versavam sobre inúmeros assuntos.

Como todo mundo pode saber, a internet é terra de ninguém. Dito isso, não há problema em receber um texto de um poeta consagrado que diga coisas bonitas. O problema, na minha humilde opinião, é dizer que um texto é de alguém sem ao menos avisar a esse alguém que esse texto foi escrito por esse mesmo alguém.

Algumas coisas chegam a ser ridículas: recebi um pps com um texto de autoria atribuída a Fernando Pessoa. Quando vi Fernando Pessoa dizendo para "curtir a vida", desisti, fechei portas e janelas e agora desconfio de tudo.

Pois bem, no Sem Censura que abriu essa semana eu vi uma entrevista com a jornalista Cora Rónai, que estava lançando o livro a que me referi no início deste texto. Esse livro procura corrigir algumas coisas relativas a esse problema praticamente insolúvel. Ele traz os textos campeões de encaminhamento via i-meio e seus verdadeiros autores, além das autorias "falsas" (atribuídas) e até alguns depoimentos dos autores famosos injustiçados, falando sobre os textos que não escreveram.

Boa leitura e esclarecedora, principalmente em tempos de banalização do encaminhamento de "Mensagens Lindas".

Em tempo: Bunda Dura, Diga não às Drogas, No caminho e O Direito ao Palavrão não são de Arnaldo Jabor, Veríssimo, Maiakóvski e Millôr, respectivamente.

Então, queridos e queridas, desconfiem da própria sombra ao receberem textos encaminhados atribuídos a autores consagrados. Comprem o livro do autor admirado ou peguem emprestado em bibliotecas públicas. Literatura não é auto-ajuda e nem música pra relaxar. Provoquemos.

Agora, ao final, a pergunta surge: será que esse texto é meu mesmo?

Ósculos e amplexos. Vários.

Alex Manzi.
Serviço: o livro citado se chama Caiu na Rede, com organização de Cora Rónai, e saiu pela Editora Agir. O preço? Mais ou menos 25 reais.

segunda-feira, março 13, 2006

"Quem tem viola não carece de transporte"*

Venho reouvindo meus discos (físicos e virtuais) de música regional. Em especial aqueles gravados por Xangai, o Eugênio Avelino. Voz rascante, agreste, violentamente delicada em sua poesia bruta.

Xangai não compõe muito, mas cria ao recriar as obras de outrem. Quando canta as puluxias, loas e obras maravilhosas de Elomar, não consigo ver casamento melhor. Aliás, Elomar eu só citei até então. Ele merece 127 posts só pra ele; por isso paro de falar nele aqui.

Parêntese para desejos secretos e obscuros: quisera eu ouvir Xangai a cantar Alagados, do paraibano Herbert Vianna, dos Paralamas. Quisera eu ouvir Xangai cantando com o poeta do absurdo Falcão (ele mesmo, incauto leitor).

Eu falava da seca mastigativa e da fome castigativa presentes na voz e na escolha de repertório de Xangai: quase só ele tem aquele poder de deus da caatinga que invade a cidade pra roubar nossa alma caipira-do mato-norte-nordestino.

Vivemos na boléia de um caminhão, comendo pó de estrada e bebendo da abrideira pra passar o tempo e poder esperar a lua chegar para ouvir a viola no escurão da noite. Não existe, por um átimo de segundo, a dura realidade do sertão, da seca, do chão rachado e com sede. Ou talvez isso tudo exista e nos salta aos olhos em forma de poesia.

Xangai não é um filósofo chinês, uma cidade japonesa, um samurai errante. O Sr. Eugênio Avelino é parte dos muitos Brasis que eu conheço e muito daquilo que ainda desconheço. Os escondidos e mistérios que são mágicos... Nonada. Travessia.

E pensar que as gravações citadas acima são reais mesmo. E eu tenho aqui comigo. Quem dá mais? Quem dá mais?

Ósculos e amplexos para quem for de.
Alex Manzi.

*verso inicial da belíssima canção de Almir Sater e Paulo Simões, "Viola e Vinho Velho".

terça-feira, março 07, 2006

Feliz Ano Novo...

...tudo indica que ficarei muito triste hoje. Tudo indica que não conseguirei terminar tudo que tenho que fazer. Tudo indica que vou chutar mesmo o balde. Com bastante força.
Tudo indica que meus apelos a São Gonçalo do Amarante e a Santa Cecília serão em vão.
Tudo indica que aquela caminhada na chuva vai ficar pra depois, porque nem a chuva veio hoje. Tudo indica que o esperado disco do Pereira da Viola não será baixado de jeito nenhum nesse tal de e-Mule...

(O Carnaval passou. E do alto desse morro vejo meus semelhantes se ocupando com pensamentos na vida que começa agora. Após respirarmos por aparelhos durante os dois primeiros meses do ano, vislumbramos, desesperados, tudo que precisamos, prometemos, desejamos fazer nesse ano que começa agora. Por enquanto só vislumbramos.
É, meus compatriotas, a vida não começa aos 40, mas aos 60 dias depois do feriado de ano novo. Depois de invadirmos os territórios de Baco e Dionísio, dançarmos de braço dado com a cevada e com os macarrões-curinga em final-do-dia-na-praia, é chegada a hora de crescermos e vermos que a vida é mais que isso. A vida é angústia e sofrimento e leituras desnecessárias e obrigações dispendiosas e ironias descabidas e risadas histéricas no final do dia e vontade de matar um no final da semana.
E nesse momento saem poemas e resoluções de vida. Ou apenas constatações.
Evoé, fim-do-mundo! Ou: FELIZ ANO NOVO!!!)
...tudo indica que terei uma imensa vontade de quebrar tudo hoje, começando pelo computador.
Tudo indica que posso mudar de idéia...
Ósculos e amplexos para quem for de.
Alex Manzi.